04 outubro 2010

O que é Passárgada?

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada


Lá sou amigo do rei


Lá tenho a mulher que eu quero


Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada






Vou-me embora pra Pasárgada


Aqui eu não sou feliz


Lá a existência é uma aventura


De tal modo inconseqüente


Que Joana a Louca da Espanha


Rainha e falsa demente


Vem a ser contraparente


Da nora que nunca tive






E como farei ginástica


Andarei de bicicleta


Montarei em burro brabo


Subirei no pau-de-sebo


Tomarei banhos de mar!


E quando estiver cansado


Deito na beira do rio


Mando chamar a mãe-d`água


Pra me contar as histórias


Que no tempo de eu menino


Rosa vinha me contar


Vou-me embora pra Pasárgada






Em Pasárgada tem tudo


É outra civilização


Tem um processo seguro


De impedir a concepção


Tem telefone automático


Tem alcalóide à vontade


Tem prostitutas bonitas


Para a gente namorar






E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito


Quando de noite me der


Vontade de me matar


-Lá sou amigo do rei-


Terei a mulher que eu quero


Na cama que escolherei


Vou-me embora pra Pasárgada.






(Estrela da vida inteira, cit., p. 127-8.)






Rosa: mulata que serviu de ama-seca a


Manuel Bandeira e a seus irmãos quando


meninos.






alcalóide: substância química encontrada


Nas plantas que, entre outros fins, serve


para a fabricação de drogas.






É o próprio Bandeira quem explica:

“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira célula de um poema [...].










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